quarta-feira, 4 de outubro de 2017


O SUS não é eficiente comparado a quê? Em quantos países há algo semelhante que atenda toda a população?




Não é eficiente por que há filas de espera? Na iniciativa privada fila é sinônimo de sucesso!




Não é eficiente por que não consegue atender 170 milhões de pessoas com a mesma qualidade e presteza com que este ou aquele hospital particular atendem mil pessoas?




Comparado a quê o SUS é ineficiente? Se houvesse mais funcionários que pacientes diriam que há desperdício de verba e também seria tachado de ineficiente. Se houvesse sempre um médico disponível quando se precisa de atendimento diriam que é cabide de emprego e que não há serviço.




Não é eficiente comparado com o Albert Einsten?




Sim, há muito que melhorar no SUS, mas dizer que não é eficiente não ajuda a melhorar nada, não aponta defeitos nem caminhos possíveis. Morrem pessoas no Albert Einsten também!




A maioria dos países não possui nada parecido ao SUS, como é o caso dos EUA. Lá eles acreditam que a iniciativa privada é mais eficiente. Lá 50 milhões de pessoas não podem ir ao médico, fazer um curativo sequer, porque não possuem plano de saúde privado. Dos 150 milhões que pagam planos de saúde, aqueles que descobrem que estão com câncer descobrem também que o plano não cobre. Aqueles que tiverem infarto e precisarem de exames periódicos descobrirão que há taxas para cada exame. Doenças são a maior causa de falências nos EUA. Famílias vão morar na rua depois de vender tudo que têm para pagar tratamentos médicos.




Muitos dos nossos deputados foram financiados por planos de saúde privados, e há quem ache que aqui seria melhor com estado mínimo, com educação privada, saúde privada, transporte privado e segurança privada. Tudo padrão FIFA, padrão Albert Einsten, para quem puder pagar, claro.




O SUS não é perfeito, nem o ALbert Einsten. Os usuários do Albert Einsten eventualmente se queixam e até processam o hospital. Mas são poucos, e ninguém quer fazer propaganda contra, afinal, não prejudica os interesses de ninguém. Diferentemente do SUS, que prejudica os interesses da máfia dos planos de saúde.




Não conheço nada que não possa ser mais eficiente do que é. Mas te garanto, sem nenhuma dúvida, que o SUS, com sua ineficiência, é responsável por salvar e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas que não teriam outra opção de atendimento médico. Algumas vidas são perdidas também, alguns morrem na fila, esperando atendimento. Se não tivesse SUS TODOS MORRERIAM ESPERANDO ATENDIMENTO.




Criticar o SUS pontualmente apontando caminhos e soluções seria algo justo e inteligente. Criticar o SUS de modo generalizante amplificando o senso-comum e o discurso do estado mínimo é muito estúpido!




da série 'comentários reciclados'...

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Higiene ou estética?

"Para refletir...

Sabonetes íntimos de frutas.
Perfumes íntimos de flores.
Maquiagem para a região íntima.
Cirurgias de simetrização da região íntima para meninas ainda virgens.
Depilação a laser, cera quente, fio...

A sociedade não espera que sejamos mulheres, com características de mulheres adultas, mas bonecas infláveis ou ideais de consumo pornográficos.

E ainda há os que alegam higiene... Higiene é muito diferente de estetização. Que higiene é essa que só atinge em massa o público feminino?

O mesmo país que lidera o ranking de meninas virgens fazendo cirurgia de estetização da vagina é o mesmo país que precisa governamentalmente fazer campanha para incentivar os machos a lavarem o pinto por conta da falta de higiene íntima que causa mais de 1000 despirocações por ano."

Lizandra Souza

terça-feira, 1 de agosto de 2017

O melhor plano de saúde

Lá vem textão porque sim:

Pensem comigo... Vivemos numa sociedade capitalista, certo? Basicamente tudo que acontece ao nosso redor gira em torno do lucro:
Desde um outdoor com "promoções" de roupas e sapatos no caminho do trabalho, até um comercial que ouvimos no aplicativo de música no meio da playlist grátis que te "oferece" plano para assiná-lo, por exemplo.
Certo, há muitas vantagens nisso, concordo, temos liberdade de escolha, cada um compra o que quer. E desvantagens, mas não vou entrar nesse quesito agora. Ok até aí...

O nosso Sistema Único de Saúde não visa ao lucro! Olha que loucura! Temos um âmbito da sociedade que gira uma quantidade incrível de dinheiro que NÃO visa lucro! Qual vai ser o mais-valia desse giro todo de capital?! Ninguém! Mas então quem que vai ganhar com a saúde?! O povo, a população, o bem geral, QUALQUER pessoa que necessite, pois o SUS é UNIVERSAL, TODO cidadão brasileiro tem direito a ele!
Sinistro, né? Mas tem mais: ele é um mercado sem fim! Assim como aprendi numa das aulas de Saúde Pública que tive durante o intercâmbio, a saúde é um mercado com demanda infinita e recursos finitos. Ou seja, sempre haverá pessoas que podem adoecer, não há como prever quem ou quando; mas sempre haverá um número x de recursos, humanos ou financeiros, por exemplo, limitado, finito.
Pensa só: demanda infinita! Imagina tu ter um comércio com demanda infinita?

Certo, estamos juntos até aí?! Ok.

Agora pensemos na mídia. Ela também visa lucros, correto? Ok, então com o que que a mídia vai lucrar mais? Incentivando o SUS ou contribuindo para seu desmonte - e, assim, oportunizando a privatização da saúde e ganhando clientes (como convênios privados) que são potenciais investidores e patrocinadores do seu negócio?

Confesso que estou surpresa com a série SOS SUS sobre a qual fiz uma postagem aqui no facebook esses dias. Essa série, que traz reportagens sobre o SUS que dá certo, está passando na Globo - atual mídia hegemônica que não ganharia NADA com esse serviço à sociedade. Mas enfim, permaneço com meus dois pés atrás, mas feliz de ver essa divulgação.
Ao mesmo tempo, temos outro seriado chamado Sob Pressão que está passando no mesmo canal. Um seriado ficcional que está retratando de forma escrachada a falta de recursos do SUS, através da utilização de uma caixa de papelão como berço de um neonatal, por exemplo.

O primeiro programa dura 15 minutos e aparece dentro de outro chamado Como Será que passa nos sábados às 7h.
O segundo dura 50 minutos e passa em horário nobre às 23h das terças-feiras.

O que refletir a partir disso?
Deixo para cada um chegar às suas conclusões.

Por fim, ressalto: o desmonte do SUS é interesse de muitos - quem sabe até de nosso ministro da saúde, engenheiro civil e empresário, que tem forte relação $$$ com a Unimed...
Mas o SUS, ah o SUS, ele é interesse de TODOS! Lutemos por ele! Baseado no NHS (National Health System - sistema de saúde pública da Inglaterra), que conheci de pertinho, ele tem sim potencial e é exemplo para muitos países. Um baby de menos de 30 anos quando comparado ao NHS que já tem quase 80. Vem comigo, vamos ajudá-lo a aprender a caminhar?!

Coragem

Vivências de um estágio...

1. Já havia sido avisada de que provavelmente perguntariam a especialidade que almejo e que, sendo MFC a resposta, viria bomba pela frente. Dito e feito. A pergunta veio, engasguei, pensei, respondi baixinho: medicina de família. "Mas o que que está acontecendo que tá todo mundo querendo isso agora? Mas por que que tu quer fazer isso?", "Porque eu amo!" foi tudo o que eu consegui responder no momento. 
Em outra situação com a mesma pessoa, fui questionada genuinamente "Tá, mas me explica, tu não fica mal de saber que tu vai fazer uma residência para trabalhar no mesmo local que outros médicos sem especialidade trabalham?". Confesso que a pergunta me pegou em cheio e eu nunca tinha pensado nesse ponto de vista. Orgulho! Esse fato fere nosso orgulho! Eu ficava de cara de pensar que médicos sem especialidade fazem merdas e ferem a fama do médico de família, fazendo com que ele seja mal visto. Mas nunca tinha pensado no lado do orgulho. Pensei. "Não! Eu considero errado ser permitido que eles trabalhem no nosso campo, no nosso 'mercado', por não considerar que eles sejam preparados para isso. Mas também entendo que não temos médicos de família suficientes para o número necessário. Mas não me incomoda pensar que 'estarei no mesmo nível que eles'." A partir disso, se desenvolveu um diálogo muito legal. Falou-se de medicina de família, de SUS, de saúde pública, de classes sociais, de origem familiar... Não necessariamente concordou-se com tudo, mas os lados foram ouvidos e compreendidos. Confesso que me surpreendi ao perceber que tínhamos a "mesma origem" e ainda assim ela não pensava como eu. Mas tudo bem, somos livres para pensar diferentemente. Confesso também que, por pensarmos diferente, me surpreendi quando fui tratada com respeito. Até recebi oferta de carona. Tive a oportunidade de rever mais um pré-conceito e aguçar minha integralidade para perceber que o ser humano como um todo é sim composto de qualidades e defeitos, sem que um inviabilize o outro.
No dia seguinte, mais uma surpresa gostosa: "Quase te mandei uma mensagem ontem... Fiquei pensando muito em tudo que conversamos, foi muito legal. Obrigada pela conversa!". Que sensação maravilhosa. Por saber que uma pessoa supostamente acima de mim na hierarquia gostou de conversar comigo, por saber que ela ficou pensando no que conversamos, por saber que consegui fazê-la ter pontos de vista diferentes do que ela está acostumada, por saber que deixei minha marca.

2. Estávamos no bar eu, dois residentes e um acadêmico. Uma mulher e três homens, invariavelmente um local hostil - assim como toda neurocirurgia dominada por "machos alfa". 
"Reparei que nos prontuários do ambulatório consta a assinatura de um R2 que não está por aqui e ouvi falar que ele largou a residência. É verdade isso?"
"Sim!"
"Bah, que tenso... Mas chegaram a ficar sabendo se aconteceu alguma coisa, por que que ele teria largado?"
"Ele resolveu virar homossexual!"
"Oi?!?!?!?"
"Ah, resolveu roçar a barba em outras barbas..."
E os demais deram uma risadinha de leve, afinal de contas foi "apenas mais uma piadinha como tantas outras que ocorrem no bloco cirúrgico". Mas eu não pudia acreditar que mais uma vez eu estava presenciando algo tão "normalizado", que não é normal, mas sim infelizmente comum. Não pude não pensar instantaneamente em meus amigos gays e em todo sofrimento que vivem no dia a dia por conta dessa sociedade deturpada. Ou nos gays que, por mais que não tão próximos alguns, mas conhecidos, somam três que já tiveram seus narizes quebrados por estarem em festas beijando outro homem. Mantive a serenidade, não esbocei um sorriso sequer, pois de fato não havia absolutamente graça nenhuma no que havia sido dito. Não sei como, não sei de onde, mas me veio uma resposta na mente na mesma hora. Foi rápido demais, mas sei que pelo menos inconscientemente eu pensei: "E agora? Respondo ou não? O que vão pensar de mim? Será que não vão mais gostar de mim se eu responder?". Mesmo assim, não hesitei:
"Era para ser engraçado?"
Com minha visão periférica, percebi que os outros dois recolheram seus sorrisos, levantaram suas cabeças e olharam constrangidos para o que havia feito a "gracinha".
"Era... Mas se não foi, tudo bem também... Ele queria ir para a Suécia, foi isso... Ele percebeu que aqui estaria perdendo tempo..."
"Hmm, Suécia, que legal..." 
Mais uma vez mantive a serenidade e segui o assunto para não dar flashes ao acontecido. Logo após isso, me senti constrangida, como se "tivesse forçado a barra" ou "sido a chata politicamente correta do rolê". Azar. Sou mesmo. E percebi que fiz todos refletirem sobre a suposta piada. Posso ter sido aparentemente inconveniente, mas sei que fui na verdade um meio de trazer uma oportunidade de reflexão. Assim, logo em seguida, o constrangimento se tornou orgulho. Fiquei orgulhosa e muito por ter tido a ideia de resposta e a coragem de me colocar mesmo num ambiente hostil. Orgulhosa por mim. Por meus amigos. Por todos gays.
A conversa continuou, seguiu. E sim o clima ficou normal. 

3. Logo após esse momento, havia uma reunião. Uma reunião sabidamente desorganizada, sem ordem de fala, repleta de homens e pessoas supostamente acima de mim na hierarquia insana da medicina. 
Eu tinha dois casos de pacientes para discutir - e precisava discuti-los, pois era minha última semana no estágio.
Mais um ambiente hostil, sem espaço de fala para os próprios "donos" do espaço... Quiçá para uma doutorandA. 
Pois bem. Tarefa dada, tarefa cumprida. Preciso ser ouvida. Mais uma vez, não sei bem como, não sei bem de onde, me veio coragem e desenvoltura para lutar e conseguir meu espaço de fala. Discuti os meus dois casos e ainda consegui espaço para o acadêmico discutir o seu caso, pois sabia que ele era tímido e no "menor nível hierárquico" do lugar - me senti na obrigação de fazer isso por ele, pois é o que eu gostaria que tivessem feito por mim.
Resultados: fui confundida com uma nova residente da neurocx (sim, fiquei bem feliz de ter um desempenho considerado suficiente para um "nível hierárquico maior") e elogiada através de uma brincadeira do tipo "olha essa doutoranda aí, metendo a moral e colocando os residentes no chinelo". 
Moral da história: mesmo eu podendo ter sido considerada teoricamente a "chata politicamente correta inconveniente", isso não me impediu de mostrar minha competência e nem de ser reconhecida por isso. Ou seja, valeu a pena ter coragem. Sempre valerá. Que eu continue assim!

4. Última cirurgia do estágio, primeira de coluna, primeira com aquele preceptor. Diferentemente das de crânio (em que os cirurgiões ficam sentados e consigo ver a cirurgia de longe), nessa cirurgia eu não conseguia enxergar absolutamente nada de longe. Para chegar perto, teria que me paramentar e entrar em campo. Mas não me ofereceram em nenhum momento. Mas eu não fazia ideia de como eu poderia ser útil. Mas já tinha quatro pessoas em campo. 
Mas eu queria enxergar.
Mais uma vez, nem como nem de onde: "Professor.." "Uhmm.." "Posso entrar em campo?" [pausa dramática...] "Pode!" 
Feito!!! Conseguiria chegar perto e enxergar o que estava sendo feito na cirurgia. Quem sabe de quebra até me deixariam fechar a pele, porque né, a esperança é a última que morre, hehehe... 
Entrei em campo, passei a enxergar. Estava feliz, driblei o sono. Fazia tudo que me parecia ser possivelmente útil e que pudesse ajudá-los.
Enxerguei algo estranho. Parecia uma gaze. Mas estava tão vermelho... Perguntei: "Pessoal, aquilo ali é uma gaze, né?" Estavam conversando e ninguém me respondeu... Olhei para a instrumentadora e vi que não havia nenhum mosquitinho marcando... Será que não era? Não, mas eu acho que é... "Oi, fulana, com licença, tu pode marcar aí com mosquitinho, porque vi que tem uma gaze dentro da paciente..." "Claro sem problemas..."
Cirurgia difícil. Paciente sendo reintervida pela quarta vez, fibrose e mais fibrose. Instrumentos inadequados, tesouras sem fio, afastadores estragados. Aos trancos e barrancos, ela foi finalizada. Terminaram o que tinha que ser feito. 
"Deu, já tá bom... Não tem mais nada aí, né? Já tiramos os algodões e tudo mais, né?"
Sim, responderam os residentes se preparando para fechar a FO.
"Não, mas a mocinha aqui disse que tem gaze lá ainda!" - disse a técnica.
"O quê? Mas onde?"
Pensei "Bah, será que eu que tô viajando e atrasando a finalização da cirurgia? Será que não é gaze? Será que é só o tecido da paciente?"
"Ali ó..."
O preceptor puxou com a pinça... Saiu uma gaze. Puxou de novo... Saiu outra. E de novo... Outra! Todos ficaram em choque na sala de cirurgia. 
"Parabéns, nota dez no estágio para ti, excelente!" - disse o preceptor.
"Bah, mandou muito bem, salvou a paciente" - disse um dos Rs.
Na hora, confesso que senti um alívio por serem gazes, pois eu não estaria viajando. Não sei, parece que não tinha me caído a ficha do que significava aquilo... Foi um tanto assustador pensar que ninguém tinha visto, mas fiquei muito feliz de saber que pude ajudar aquela paciente - até quiçá salvá-la.
Precep "Olha, pode ser cirurgiã, hein? Ainda mais neurocirurgiã, porque tem que estar ligada mesmo!"
R "Pena que ela não quer cirurgia, né?"
P "Ah, é? O que ela quer?"
R "Medicina de família..."
P "Ah, não... Na medicina de família não precisa ser assim, deixar uma gazezinha não faz diferença..."
Eu "Ah, não?!?! Medicina de família não é medicina então?"
R "Calma, ninguém quer ofender aqui não... É só que tinha tanto potencial..."
E "Tu vê né... Eu tenho tanto potencial que posso até escolher o que eu quero, coisa boa né?"
R "É, pois é, mas né, podia aproveitar mais..."
E "Calma, não te preocupa, fica tranquilo e aproveita que assim tu não vai ter que te preocupar em concorrer no mercado comigo..."

Até o precep sisudo não se aguentou e riu. Nem eu acreditei que aquele tanto de resposta estava saindo da ponta da minha língua! Hahaha... Foram muitas alfinetadas e de todos os lados, mas as relações já estavam estabelecidas e todas foram levadas muito no bom humor. 
"Parabéns, tu foi uma das melhores doutorandas dos últimos tempos!"

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Pré-conceitos

Se perguntarmos a alguém "tu tem preconceitos?", geralmente a pessoa responde rapidamente e quase ofendida que "não, né?". 
Pois é, eu também queria acreditar que eu não tinha preconceitos. Não queria aceitar que eu também poderia ter defeitos que tanto eu abomino... Mas o fato é que vivemos numa sociedade pautada por pré-julgamentos e basta nascermos nela para absorvermos muitos conceitos e pré-conceitos mesmo sem perceber. 
Eu gostaria de dizer "não, eu não tenho preconceitos", mas infelizmente sei que tenho. Não me orgulho disso, mas ao mesmo tempo esforço-me para não me culpar, pois não escolhi nascer nessa sociedade que trata como "normal" situações que infelizmente são apenas comuns. Pelo contrário, reconheço e aceito meus privilégios e luto a cada dia para desfazer meus comportamentos que se tornaram "medulares" mesmo sem eu querer.
Essa consciência não foi construída rápida nem facilmente - na verdade ainda está em construção. Mas posso dizer que um dos textos que mais me despertou para a reflexão foi o que segue. Boa leitura.

"Esses dias estava andando na Avenida Praia de Belas de noite e vi, uns cento e muitos metros à frente, duas figuras vindo em minha direção, calmamente. Senti uma leve necessidade de aguçar a minha visão e ver se seria possível atravessar a rua em uns 50 ou 70 metros no futuro. Notei logo após que as duas figuras eram um pai e um filho. Negros. Voltando de uma caminhada no marinha, um filme no shopping, algo assim. Um programa de pai e filho.

Eu, que sou a favor de cotas, que abomino racismo, que desde os tempos de creche tenho amigos e colegas negros (embora poucos, devido a disparidade absurda de renda média por cor de pele) senti um desconforto de alguns segundos.
Eu que tenho 24 anos, estava tranquilo no momento, não sou paranoico quanto à violência e tenho o ensino superior quase completo me preparei por segundos para atravessar a rua.
Eu que trabalho em hospital e posto de saúde com pacientes negros, funcionários negros, médicos negros, enfermeiros negros, etc e os julgo e respeito pelo conteúdo do caráter e não pela cor da pele, olhei para um pai e um filho andando na mesma rua que eu com roupas semelhantes às minhas e pensei 'quem são esses caras?'.

Quando passei pelos dois olhei para o menino, de uns 12 anos, e me senti triste, envergonhado, humilhado. Olhei então para o pai, que fez um rápido aceno de cabeça para mim, me olhando nos olhos, e o sentimento aumentou.

Se tivesse conseguido falar algo naquele momento teria pedido desculpas aos dois, teria parabenizado o pai pela coragem de sair na rua para ter um momento pai-e-filho em um país tão cheio de gente perigosa e preconceituosa em vez de deixar o medo de pequenos e grandes ataques racistas vencerem seu direito de ir e vir de noite e de dia.

E diria ao menino: "Não se contente com brancos não atravessando a rua e não desviando o olhar. Não se contente com cotas. Não se contente com um 'branco consciente' como eu."
E terminaria com: "Querem me dizer alguma coisa?" Porque eu sei que é importante que nós brancos falemos também de racismo, mas o principal é ouvir mais e mais de quem muito viveu mas ainda pouco foi ouvido sobre isso."

Gustavo HR

terça-feira, 11 de julho de 2017

Diversidade LGBTQIAP

A atual sigla LGBTQIAP (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transsexuais, travestis, queer, intersex, assexuais, ally, pansexuais, não-binários)




1. Orientação sexual (por quem se sente atração sexual)

Homossexuais:
L = Lésbicas
Mulheres homossexuais. Mulheres que sentem atração sexual por mulheres.

G = Gays
Homens homossexuais. Homens que sentem atração sexual por homens.

B = Bissexuais
Mulheres e homens que sentem atração por mulheres e por homens, podendo ser de forma igualmente ou não.

A = Assexual
Pessoas que não sentem atração sexual por nenhum gênero, nem ninguém. Não se interessam por relações sexuais, o que não significa que não se interessam por relações e vínculos emocionais, por isso pessoais assexuais podem ter orientação sexual hetero/homo/bi. Por exemplo, um homem que não sente desejo sexual, porém se envolve romanticamente (sentimento) apenas com homens, é um homem assexual gay.

P = Pansexual
Pessoas que sentem atração sexual por pessoas de todas as orientações sexuais e identificações de gênero, ou seja, toda a gama LGBTQIA, em adição H – heterossexuais.
Frequentemente – e erroneamente – é confundido com atração por objetos, animais, plantas etc (o que é mentira). Também erroneamente confundida com bissexualidade, o que também é mentira pois nem todo bissexual sente atração por pessoas trans e/ou intersex. Pansexualidade já foi descrita como um meio de evitar os polos binários (homem/mulher) e o essencialismo da bissexualidade.


2. Identidade de gênero (como se identifica a si mesmo)

T = Transgêneros 
Pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele registrado no nascimento. Não tem nada a ver com a orientação sexual da pessoa, ou seja, com por quem ela sente ou deixa de sentir atração sexual.
E, ao contrário do que alguns podem pensar, antes de ser uma questão de orientação sexual, é uma questão de pertencimento cultural e social. Ser transgênero não implica um desejo de mudar de sexo biológico, nem a existência de atração por pessoas do mesmo sexo. O que há é um conflito de identidade de gênero.
Homem Trans: quando nasceu foi registradx como ‘Mulher’, porém identifica-se como ‘Homem’ e, portanto, é homem. Exemplo: Thammy (Thommy) Gretchen.
Mulher Trans: quando nasceu foi registradx como ‘Homem’, porém identifica-se como ‘Mulher’ e, portanto, é mulher. Exemplo: Laverne Cox.

Cisgênero
Contrário de Transgênero, ou seja, pessoas que se identificam com o gênero com o qual foram registradas no nascimento. Não tem nada a ver com a orientação sexual da pessoa, ou seja, com por quem ela sente ou deixa de sentir atração sexual.
Mulher Cis: quando nasceu, foi registrada como mulher e continua se identificando como mulher.
Homem Cis: quando nasceu, foi registrado como homem e continua se identificando como homem.

T = Transsexuais 
É aquele que deseja alterar sua constituição biológica e fazer a mudança de sexo, sendo a cirurgia a única forma de se sentirem totalmente identificados e correspondidos na identidade de gênero que sentem pertencer, mas que não foi biologicamente atribuída.

Obs: esse conceito que distingue transgêneros e transsexuais dessa forma, é apenas uma das vertentes que existem atualmente. Há quem diga que transgênero seria o termo guarda-chuva que abrange os demais, e há quem diga que o guarda-chuva seja o transsexual. Ainda não há consenso sobre esse aspecto, portanto está mencionado o que nos parece mais comum.

T = Travestis
O termo travesti é um termo mais marginalizado. Está permeado de questões econômicas e sociais. Nas palavras da cartunista Laerte “Crosdresser é uma travesti de classe média”.
Muitas mudam seus nomes, corte de cabelo, modos e trejeitos, timbre de voz de acordo com o sexo almejado.
Algumas chegam a usar hormônios, realizar cirurgias plásticas, como o silicone nas mamas e nádegas, mas não há o desejo de mudar de sexo. Não anseiam nem procuram pela cirurgia sexual.
Ser travesti também não tem relação direta com a homossexualidade (orientação sexual). A travesti pode ser tanto heterossexual, homossexual ou bissexual.

3. Outros termos

Q = Queer
Um termo guarda-chuva que abraça uma variedade de preferências, orientações e hábitos sexuais das pessoas que não se encaixam na maioria heterossexual e cisgênera. O termo Queer inclue, mas não é exclusivo de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex. Tradicionalmente o termo seria pejorativo e ofensivo, mas muitas pessoas o usam para se auto-identificar de uma maneira positiva e orgulhosa.
Termo famoso: We’re here, we’re queer. (“estamos aqui, somos queer”)

I = Intersex
Pessoas intersex nasceram com genitália ambígua (antes eram chamados de hermafroditas, mas foi descoberto que esse termo não deve ser utilizado para humanos). As pessoas intersex podem vir a ser não-binárias, mas também podem se identificar apenas com um gênero. Pode incluir outras características de dimorfismo sexual como aspecto da face, voz, membros, pelos e formato de partes do corpo.
Exemplo: Roberta Close

Ally = Aliado
Pessoas que não se identificam como LGBTQIA, porém apoiam e lutam junto pelos direitos da sigla. Termo substituto para o antigo S de ‘Simpatizante’.

Não-Binários
Pessoas cujas características físicas e psicológicas não se categorizam exclusivamente como ‘masculino’ ou ‘feminino’. A pessoa pode em um dia se identificar e se apresentar como um gênero e no dia seguinte como outro. Também costumam usar o termo “Fluído” para se definir.
Exemplo: Liniker, Miley Cyrus (recentemente declarada).

Drag queens
São artistas performáticos que se vestem com figurinos artísticos, gerlamente femininos (mas não é necessário que sejam), independente da sua identidade de gênero, para apresentações. Não tem relação direta com orientação sexual nem com identidade de gênero.
Ex: Pabllo Vittar (homem cisgênero gay).

Crossdressers 
São pessoas que usam roupas associadas ao gênero oposto no dia a dia, por interesse ou fetiche.
Ex: Em 2009, a cartunista Laerte admitiu ser crossdresser e acabou tornando-se porta-voz desse movimento. Atualmente, se identifica com o gênero feminino e afirma ser bissexual. Segundo ela,  “o crossdresser é um travesti de classe média”.

4. Tipos de relacionamento:

Monogamia
Pessoas que mantém relacionamentos exclusivos, ou seja, quando está namorando com uma pessoa, tem acordo de fidelidade, de não ter envolvimento físico e/ou emocional com outras pessoas além daquela.

Poligamia / Poliandria
É quando uma pessoa retém o direito de se relacionar com mais de uma ao mesmo tempo. Por exemplo, uma mulher com direito de namorar/casar com outros cinco homens de sua escolha. Já esses homens escolhidos por ela não tem direito de se relacionar com outra pessoa que não ela. A poligamia está frequentemente relacionada com relacionamentos fixos, ou seja, namoro e casamento. Ela também é muito comum em diversas culturas de diversos países.

Relacionamento Aberto
É quando duas pessoas envolvidas em um relacionamento sério fixo (namoro/casamento) tem o acordo de que elas podem ter envolvimento físico com pessoas fora desse mesmo relacionamento. Geralmente, o acordo inclui regras como conversar antes para falar sobre o interesse em uma pessoa terceira e avisar previamente sobre esse envolvimento; também pode incluir a exigência de que sentimentos não sejam envolvidos com terceiros.

Poliamor
Frequentemente confundido com Poligamia, significa, na verdade, a exceção. É quando mais de duas pessoas se envolvem fisicamente e/ou emocionalmente num relacionamento conjunto. Por exemplo, quatro pessoas que mantém um relacionamento fixo entre si, sendo que as quatro se amam, se tocam, se beijam, mantém relações sexuais etc. Sabe o famoso “triângulo amoroso”? Ele é um poliamor.

Amor Livre – Relações Livres
O RLi defende a prática de todo tipo de relação amorosa – inclusive a monogâmica – não atrelada a quaisquer registros formais. Ou seja, pessoas que se relacionam sem entitular-se “namoradxs” ou “casadxs”, pois consideram isso uma forma de controle submissão. Surgiu como uma forma de embate à legislação das uniões amorosas.